Do SENHOR é a terra e a sua
plenitude, o mundo e aqueles que nele habitam (Sl 24:1), mas nem sempre essa
posse e autoridade de Deus sobre tudo que existe e acontece no mundo é
reconhecida e respeitada. Em termos de sociedade humana, podemos citar três
configurações que variam no reconhecimento e fidelidade ao senhorio de Deus
sobre o mundo:
A configuração que menos
glorifica a Deus é a de uma sociedade secularizada (tal como tem sido até agora
o nosso Brasil no século XXI). Nela prevalece o conceito de que cada esfera da
vida humana seja independente, sendo governada por suas regras particulares, a
maioria sem nenhum compromisso com o Reino de Deus, ou com a Sua Palavra.
Biblicamente falando, esse arranjo é um tipo de “politeísmo”, uma vez que são
muitas as fontes de autoridade que governam essa sociedade, e diversos
‘senhores’ disputam nossa lealdade a todo instante, às vezes com éticas
separadas, e até mesmo contraditórias, em esferas diferentes da vida. O que
essa sociedade gera são pessoas fragmentadas e incoerentes, alienadas de Deus,
solos duros para a semente do Evangelho, onde costuma-se transformar apenas as
vidas particulares, enquanto a nação em geral prossegue a caminho das trevas.
As sociedades européias da
Idade Média tinham uma proposta melhor que o secularismo atual, embora ainda
fosse longe do ideal. Seria propor o governo de Deus em todas as esferas, sendo
mediado por Sua Igreja (no caso a Instituição Religiosa chamada Igreja Católica
Romana). Na prática, a instituição religiosa se tornou a suprema autoridade da
sociedade, a voz de Deus para o mundo, ditando todas as suas regras.
A Reforma Protestante teve
como um dos seus grandes motivadores a constatação da falibilidade da
instituição religiosa chamada Igreja Católica Romana. Sendo essa instituição
coberta dos erros e pecados humanos, não pode ser ela considerada a mediadora
do governo de Deus sobre a sociedade. A conclusão que os reformadores chegaram
é que essa mediação só pode ser feita pela Palavra de Deus, onde Ele revelou
perfeitamente a Sua vontade para cada
esfera da vida humana. Assim cada área da sociedade deve ser objetivamente
avaliada se está mais próxima ou mais distante da vontade de Deus na mesma
medida em que segue os princípios que Deus estabeleceu na Sua Palavra para essa
área. Naquilo em que ela estiver distante ou discordante, deve ser corrigida
para adequar-se ao que a Palavra ordenou para ela. ‘Reforma’ então, não será
apenas uma correção teórica da doutrina da Salvação, mas um trabalho contínuo
de conformar-se o todo da vida humana à vontade de Deus, para a Sua glória. Esta
terceira posição é a mais coerente com a Palavra de Deus, e a que pode produzir
mais frutos na conformação da sociedade à vontade de Deus.
Nesse propósito, vejamos como a Bíblia
estabelece a vontade de Deus para cada esfera da vida:
FAMÍLIA
Glorifica a Deus quando promove uma descendência piedosa na terra
(Ml 2:15). Uma família começa quando um homem amadurece, se emancipa de seus
pais, e encontra uma esposa para com ela formar uma nova unidade (Gn 2:24). Deus
estabelece como propósito comum da vida dos homens construir sua casa, obter
sustento, casar-se, ter filhos, casar seus filhos, ter netos deles e orar pela
paz para a sua sociedade (Jr 29:4-7), afim de que a raça humana seja multiplicada,
conforme a ordem de Deus (Gn 1:28) e Sua bênção sobre Seu povo (Sl 115:13-16).
As esposas devem obedecer a liderança dos seus maridos, e os
maridos devem sustentar suas esposas e dar a vida por elas (Ef 5:22-33), numa
aliança só dissolvida pela morte (1Co 7:10,11,39). Os pais criam os filhos na
doutrina e admoestação do Senhor, e os filhos obedecem e honram seus pais (Ef
6:1-4) para que seus dias sejam prolongados.
TRABALHO
Glorifica a Deus quando presta um serviço ao próximo por meio da
vocação individual. O trabalho não surgiu como castigo do pecado, sempre foi o
propósito de Deus que o homem trabalhasse (Gn 2:15), viver ociosamente é pecado
(2Ts 3:10-12). O castigo foi o cansaço e a dificuldade que foram agregados ao
trabalho (Gn 3:17-19).
Deus tem uma vocação ou chamado para cada um, que se desenvolve em
suas aptidões, habilidades e posições que ocupa (1Co 7:7,17), e mesmo aqueles
que não estão envolvidos integralmente num Ministério da Palavra (pastor,
evangelista, missionário, etc) devem considerar-se a serviço de Deus e do Seu
Reino quando exercem suas profissões e executam seus trabalhos.
Por isso devem cumprir suas atividades com todas as suas forças
(Ec 9:10), de todo o coração, caprichando sempre em tudo, por se considerar
servindo a Cristo (Cl 3:23,24). Nosso trabalho deve ser enquadrado no
cumprimento da ordem de amar ao próximo como a nós mesmos, em que estejamos
fazendo algum bem às pessoas à nossa volta, de forma que minha vocação
particular contribua para o cumprimento da vocação maior da humanidade de
encher a terra e dominá-la (Gn 1:28).
CIÊNCIA
Glorifica a Deus quando aumenta o nosso conhecimento da Criação de
Deus. “O SENHOR dá a sabedoria; da sua boca é que vem o conhecimento e o
entendimento” (Pv 2:6): tal constatação é essencial para que o ser humano consiga,
como quer, aumentar o seu conhecimento do mundo à sua volta. Tudo que Deus diz
sobre o mundo na Escritura, Ele o faz sem erro (Jo 17:17). A Bíblia não discorre
sobre todas os detalhes de todos os assuntos, mas ao menos nos temas básicos e
fundamentais de todas as ciências, a Escritura faz sim, numerosas afirmações. Portanto,
a Ciência em todos seus ramos não tem o direito de discordar das afirmações
bíblicas, mas deve partir delas como pressupostos e construir suas teorias a
partir desse fundamento, ouvindo a Deus, para começar a entender como funciona
o mundo que esse mesmo Deus cria e sustenta.
A atual atitude rebelde dos cientistas diante da Palavra de Deus os
condena a continuarem tateando na escuridão, sem nenhuma perspectiva de
conhecerem a verdade dos fatos sobre o mundo em que vivemos, a não ser por
“coincidência”, ou melhor, misericórdia de Deus em prover algum bem ao mundo
por meio dos trabalhos deles. Portanto, devemos rejeitar de antemão as teorias
científicas que se baseiam em falsos fundamentos, quando notamos que as bases
delas contradizem a Palavra de Deus, e só devemos ser dado crédito à ciência
que for feita a partir de pressupostos bíblicos.
EDUCAÇÃO
Glorifica a Deus quando compartilha a verdade. Para longe da mera
utilidade profissional, a Educação segundo a Bíblia tem como princípio
irrevogável a transmissão da verdade, a qual liberta os que a recebem, pois a
verdade é uma pessoa: Jesus Cristo. Sendo Deus onisciente, Ele sabe a verdade. Sendo
Deus benevolente, Ele nos quer dar a verdade. Sendo Deus onipotente, Ele é
capaz de nos dar a verdade. Sendo Deus providente, Ele nos vocaciona a
transmitir a verdade aos outros. Deus nos chama a cumprir uma pacto entre as
gerações, em que a nova geração receberá o conhecimento da antiga (Dt 6:1-7). A
Bíblia narra que a falta de transmissão educacional sobre os valores do Reino
fez com que após a morte de Josué, a geração dos Juízes perdesse o conhecimento
de Deus, para sua desgraça (Jz 2:10). Isto ilustra a suprema responsabilidade,
primeiro dos pais (Ef 6:4), e segundo da Igreja (2Tm 2:2), de passar adiante o
conhecimento sobre Deus, para que o Seu povo não pereça (Os 4:6). Tal perigo é
uma constante em nossos dias, em que os pensamentos sobre Deus são cada vez
mais soterrados debaixo da avalanche de secularismo que os currículos escolares
e acadêmicos têm adotado. Isto significa que os pais deveriam dar preferência a
escolas cristãs para seus filhos, e se não puderem fazer isso, que seja
redobrado o ensino da fé dentro de casa, para contra-atacar os falsos ensinos
que os jovens recebem diariamente nas instituições escolares.
ECONOMIA
Glorifica a Deus quando garante que o trabalho seja materialmente
recompensado (1Tm 5:18). A sociedade precisa ter um sistema em que a pessoa que
for mais diligente e esforçada no seu trabalho, possa proporcionalmente colher
os frutos da prosperidade (Pv 10:4; 12:24; 13:4), ainda que não devamos nos
prender a nada deste mundo (1Co 7:29-31), pois somos como forasteiros nesta
terra (1Pe 2:11). Deus ordena uma economia justa, e reprova a desonestidade nos
preços (Lv 19:35,36), a retenção de mercadorias (Pv 11:26), o atraso nos
salários e a exploração (Tg 5:1-6). O dinheiro em si é neutro, mas o amor ao
dinheiro é a raiz de todos os males (1Tm 6:7-10). Aqueles a quem Deus abençoa
com riquezas (1Sm 2:7) têm o dever de partilhar generosamente (1Tm 6:18), sendo
que a avareza, o reter e acumular indefinidamente, é chamada de idolatria (Cl
3:5) e um estilo de vida que dificulta a salvação (Mt 19:23).
GOVERNO
Glorifica a Deus quando providencia Segurança e Justiça para o
povo. É Deus quem ordena a existência de autoridades na sociedade (Rm 13:1), e
nos ordena honrá-las. Mas se alguma autoridade contradizer os mandamentos de
Deus é dever de todos desobedecer a essa autoridade, como os apóstolos, Daniel
e seus amigos bem exemplificaram (At 5:29; Dn 3:16-18; Dn 6:10). Deus deu a
espada ao governo para este execute a vingança contra os malfeitores (Rm
13:1-5) enquanto recompensa os bons (1Pe 2:13,14), provendo uma vida tranqüila à
sociedade (1Tm 2:2) e sendo para isso justamente sustentado por impostos (Rm
13:6,7). De grande importância é o envolvimento político dos cristãos na
sociedade, principalmente para trabalhar pela máxima aproximação das leis de
seu país às leis que Deus revelou na Bíblia. O que Deus disse ser certo e
errado, sempre o será, e bem-aventurado será o povo que tomar a Palavra de Deus
como sua constituição. De fato, à medida que as nações se convertem a Cristo,
esperamos que todos os povos adotem as leis de Deus (Is 2:1-5).
ARTE
Glorifica a Deus quando exerce uma criatividade virtuosa. Exercer
uma arte é criar coisas, assim, o Deus criador compartilhou conosco um pouco do
Seu poder, na medida em que nos permite fazer assim. Mas quais serão os usos
lícitos da arte? Certamente, e em primeiro lugar, para adoração, principalmente
a arte da música, tanto no Velho (Nm 10:10) como no Novo Testamento (Ef 5:19),
sendo que Deus deseja ser louvado com um “cântico novo” cuja melodia deve ser “bem
tocada” (Sl 33:3); o que estabelece tanto a legitimidade da criação artística,
como o mérito de se buscar a excelência técnica.
As Artes têm
grande influência sobre as pessoas a respeito da maneira como elas vêem e
experimentam o mundo. Elas servem tanto para celebração como para comunicação. Seja
para mal ou para bem, por meio das artes se transmitem conceitos, informações,
emoções, idéias, que muitas vezes se fixam profundamente no coração daqueles que
as contemplam. Tendo sobre esse assunto o dever de ‘levar cativo todo
pensamento à obediência de Cristo’ (2Co 10:5), e encher nossa mente de
pensamentos sobre ‘o que é verdadeiro, honesto, justo, puro, amável, de boa
fama, de alguma virtude, e de algum louvor’ (Fp 4:8), concluímos que somente as
obras de arte que nos conduzem para esses alvos bíblicos merecem nossa atenção
enquanto consumidores e nossa intenção enquanto artistas.
LAZER
Glorifica a Deus quando celebra com gratidão e pureza as bênçãos
que Deus nos dá. Deus não nos dá apenas mandamentos estritos e tarefas árduas.
Ele também nos ordena gozar a vida (Ec 9:7-9) e aproveitar bem tudo que Ele nos
dá (1Tm 6:17).
Mas esta área é uma das que mais gera dúvida sobre o certo e o
errado. Devo ou não devo ir a tal lugar ou fazer tal coisa?
Podemos descobrir se indagarmos: com isso eu quebro algum
mandamento da Palavra? Nosso lazer não pode ser um desperdício de tempo (Ef
5:16), não pode ser fruto da ociosidade (2Ts 3:11), não pode ser inconveniente,
não pode dominar a nossa vida (1Co 6:12), não pode escandalizar ninguém (1Co
10:32). Além disso, conseguimos usufruir deste lazer ou prazer com gratidão e
pureza diante de Deus? Se não podemos orar agradecendo a Deus por tal coisa, é
porque ela não veio como benção e sim como tentação; esse lazer estará fazendo
mais mal do que bem e, portanto deve ser cortado (Mt 5:29-30).
IGREJA
Glorifica a Deus quando trabalha pela expansão do Seu Reino por
meio do Evangelho de Jesus Cristo. Em relação à visão de mundo, a Igreja, ou
seja, o povo de Deus tem o papel imprescindível de proclamar a vontade de Deus
para cada uma das áreas acima, a todos os membros da sociedade, quer estes
creiam no Evangelho, ou não. A Igreja deve constantemente corrigir-se a si
mesma, e chamar todas as áreas à correção, por meio dos ensinos, pregações,
exemplos, influências, vocações e posições que seus membros realizam ou ocupam
na sociedade, ensinando as nações a obedecer a Cristo em todas as coisas (Mt
28:18-20).
CONCLUSÃO
Os serafins clamavam:
“Santo, Santo, Santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da Sua
glória!” (Is 6:3). A ênfase da Visão Reformada é declarar o mundo como o grande
teatro da glória de Deus. O que fazemos quando orientamos todas as coisas para
a glória de Deus (1Co 10:31) é simplesmente nos juntar a esse eterno culto de
louvor que a Criação já presta ao Criador. Para isso que nós existimos, e sendo
redimidos por Cristo e regenerados pelo Espírito Santo, para isto estamos sendo
capacitados. Tão somente reconheçamos que Ele é a fonte de todas as coisas, o
centro da História e o único alvo das nossas vidas. Glorificaremos assim a Deus,
buscando continuar a reforma da sociedade para que todas as suas esferas sejam
governadas pelos valores bíblicos que Ele nos revelou, na esperança de ver se
cumprindo em nossos dias a profecia que a terra se encherá do conhecimento da
glória do SENHOR, como as águas cobrem o mar (Hc 2:14).
FONTES: http://www.contra-mundum.org/castellano/declaraciones/coalicion/Cosm_Arts.pdf;
http://www.contra-mundum.org/castellano/declaraciones/coalicion/Cosm_Gob.pdf; Vivendo para a Glória de Deus. Joel Beeke.
Editora Fiel.; Lei e Evangelho. Greg Bahsen. Editora Monergismo.