Quer entender a Bíblia?

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Somente a Escritura é autoridade infalível

 Para que aprendais a não ir além do que está escrito, não vos ensoberbecendo a favor de um contra o outro. (1Co 4:6).Em abril de 1521, o “santo imperador romano”, Carlos V foi à pequena cidade de Worms, na Alemanha, onde ele havia convocado uma assembléia imperial. Lá em Worms, estavam unidos os bispos, arcebispo, príncipes do Império, representantes das cidades livres e bem no alto, acima de todos esta o augusto Carlos V, Rei da Espanha e ‘santo imperador de Roma’.
Diante daquela assembléia imponente está o humilde monge agostiniano, Martinho Lutero, vestido com seu capuz de monge, de pé diante de uma mesa onde estavam folhetos, tratados escritos e publicados por ele. Johaun Von Eck, assistente do Arcebispo de Trier, que serviu como interrogador, mandou Lutero reconhecer o material como sendo seu mesmo, e Lutero assumiu a autoria de todo o material. Eck também perguntou se o teólogo iria se retratar das “heresias” que havia publicado. Percebendo a importância da sua postura, Lutero pediu um tempo para escrever uma resposta formal. Foram-lhe concedidas 24 horas para preparar a sua resposta e no dia seguinte ele estava diante da Assembléia e pronunciou o discurso que mudou o curso da História e modificou a Igreja para sempre. O mundo e a Igreja jamais voltaram a ser os mesmo depois que Lutero fez a sua declaração arrebatadora.
Um simples monge e um teólogo obscuro, sem fortuna ou poder, Lutero ficou diante dos governantes da Alemanha e disse: “Desde que vossa serena majestade e vossas senhorias buscam uma resposta simples, eu a darei assim, sem chifres nem dentes. A menos que seja convencido pelo testemunho das Escrituras ou por mera razão (pois não confio nem no papa nem nos concílios somente, pois é bem sabido que eles freqüentemente erram e se contradizem), eu estou atado pelas Escrituras que já citei, e a minha consciência é escrava da Palavra de Deus. Eu não posso e não irei me retratar de nada, já que não é seguro nem correto agir contra a consciência”.
Lutero talvez estivesse ali tremendo, pois ele sabia que havia arriscado sua vida por Jesus Cristo. Outros que haviam tomado este tipo de atitude antes de Lutero haviam sido queimados como traidores. De fato, o reformador John Hus havia sido queimado por ordem do Concílio de Constança 100 anos antes, e entre os crimes que o levaram a morte, foi ter protestado contra a venda de indulgências [perdão de pecados dos mortos]!
Ao defender o seu ponto de vista diante daquela Assembléia, Lutero sabia que a sua vida corria um grande risco. O imperador, em favor de Lutero, manteve a sua palavra de que Lutero poderia ir até Worms e sair de lá em segurança, mas a partir daquele momento seria considerado herege diante da Igreja e um fora-da-lei aos olhos do imperador. Lutero havia proclamado o princípio que estava destinado a ecoar através dos tempos, o princípio de SOLA SCRIPTURA. Aqueles que acreditam como ele, ainda defendem só as Escrituras e, como Lutero, as suas consciências estão ‘presas à Palavra de Deus’.”[1]

Deus fala hoje? A resposta dos reformadores deram é que o Espírito Santo fala à igreja de hoje, mas apenas para explicar e aplicar a revelação que já foi feita. Havendo Deus antigamente falado muitas vezes e de muitas maneiras, aos pais; pelos profetas, a nós falou-nos, nestes últimos dias pelo Filho (Hb 1:1). A doutrina reformada tem pregado que a revelação essencial de Deus é a pessoa de Cristo. Foi isto que Pedro e Paulo receberam (Mt 16:16,17; Gl 1:15,16) e que cada um de nós recebe ao crer nEle como Salvador. A revelação de Deus é completa em Cristo, nosso entendimento é que é incompleto.
Portanto o trabalho do Espírito Santo em nós é de reafirmação da mensagem do Evangelho: o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas, e vos fará lembrar de tudo quanto tenho dito (Jo 14:26). É um esclarecimento, uma iluminação para a nossa mente e aplicação relevante para a nossa vida. Estas iluminações podem até serem novas para nós, que estamos entendendo, mas não serão inéditas. Deus nada tem a nos dizer que já não tenha dito através de Cristo e registrado na Bíblia.
Ao crer desta forma, vemos a Bíblia como o suficiente registro da Revelação, nada devendo ser acrescentado a ela. E esta é a essência do SOLA SCRIPTURA: que a Bíblia seja considerada suficiente. Porque se a Bíblia for suficiente, as outras revelações são desnecessárias. Mas se cremos em outras revelações, estamos declarando que a Bíblia não é suficiente.
Os reformadores enfatizavam bastante a ligação do Espírito Santo com a Bíblia. Esta, sendo inspirada por Deus, ocupa a cadeira de juíza de todas as opiniões humanas, mesmo as opiniões da Igreja. SOLA SCRIPTURA não nega o valor de tradições, declarações doutrinárias e discernimentos particulares ou coletivos. Mas recusa-se a considerar como palavra vinda de Deus aquilo que não for essencialmente bíblico.
Rejeitar o que a Bíblia ensina para abraçar outros ensinos fora dela, em matéria de fé e prática cristã, é rejeitar o próprio Espírito Santo que inspirou a Bíblia. Não podemos reivindicar que o Espírito Santo em momento algum vá contra a Sua Palavra, ou nos oriente a ignorá-la. “As palavras da Escritura devem ser consideradas palavras do Espírito Santo”[2].
A igreja de Cristo não faz leis ou mandamentos à parte da Palavra de Deus; portanto, não estamos sujeitos às tradições humanas, exceto na medida em que fundamentam-se ou encontram-se prescritas na Palavra de Deus”[3]. Qualquer opinião humana, na forma de conselho, pregação, doutrina ou tradição da igreja, naquilo que não for bíblico, permanece sendo apenas isso: uma opinião, que podemos aceitar ou não. Já tudo aquilo que for verdadeiramente bíblico é a vontade de Deus revelada, à qual nos cabe obedecer.
Bem diferente dos princípios reformados, os católicos, adventistas, mórmons e testemunhas de Jeová são grupos que crêem que Deus faz novas revelações hoje. Estes grupos estabeleceram o conteúdo destas revelações e as colocam no mesmo nível da Bíblia para se guiarem. Seja com novos livros inspirados (mórmons e adventistas), seja pela orientação dos governantes (testemunhas de Jeová) ou por um conjunto de instrumentos tais como tradições orais, concílios, dogmas e orientações infalíveis do papa (católicos), eles tratam as suas revelações como tratam a Bíblia, como novas palavras infalíveis de Deus. Para um membro destes grupos não importa muito questionarmos que alguma de suas doutrinas não tenha base bíblica, pois eles assumem que não se baseiam somente na Bíblia.
Outra posição diferente da reformada é a dos pentecostais. Estes crêem que Deus continua falando novas coisas, e tem revelações diretas a dar aos crentes e às igrejas. Porém os pentecostais em geral não registram estas novas revelações para a posteridade, e não consideram que essas revelações deveriam ter as mesmas características das palavras bíblicas: falar com autoridade, universalidade, infalibilidade e eternidade. Os pentecostais crêem que Deus continua falando, mas de forma um tanto insegura, em “revelações” que podem ou não ser verdadeiras, não são eternas, nem universais. Caem eles em “outro problema: (...) considerar que, ora Deus fala como Deus (nas Escrituras), e ora ele fala como homem (revelação moderna). Ou seja, Deus falou inspiradamente quando tratava-se das Escrituras Sagradas, mas agora Ele fala aos seus filhos como qualquer outro homem, sem inspiração, de maneira errante e falível”[4].
Ainda outro problema da posição pentecostal é que geralmente as suas revelações não são públicas. Não há muito diálogo das revelações pentecostais com o mundo, com os incrédulos, nem com as outras denominações cristãs. São coisas particulares sobre a vida de um irmão ou igreja, geralmente pentecostal também. Os profetas bíblicos, ao contrário, falavam em público para todos, com toda a certeza e sem medo, pois tinham uma palavra infalível da parte de Deus. Expunham-se tranquilamente ao teste de que “se tal palavra não se cumprir, esta é a palavra que o Senhor não falou (Dt 18:22)”.
Toda a palavra de Deus é pura; escudo é para os que confiam nEle. Nada acrescentes às Suas palavras, para que não te repreendas e sejas achado mentiroso (Pv 30:5,6).
Que a Bíblia é a Palavra de Deus, praticamente todos os cristãos concordam. Mas que a Bíblia seria a única autoridade infalível para a igreja, esta é uma peculiaridade dos que abraçaram o princípio SOLA SCRIPTURA da Reforma.
Diante dos erros do catolicismo medieval, os reformadores da igreja não tiveram outra alternativa a não ser confiar somente na Escritura como autoridade final. Eles tiveram a convicção de que a fonte da maioria dos erros de doutrina e prática da Igreja Católica eram as outras autoridades (tradições, concílios, visões, revelações, decisões dos papas, etc.) que foram colocadas no mesmo nível da Bíblia. A causa da Igreja Católica ter se desviado tanto, diriam, foi justamente confiar em outras coisas além da Bíblia. E o único meio de se corrigirem tais erros sem controle era guiar-se pela Bíblia acima de tudo.
De fato, desde que o bispo de cada igreja foi considerado como tendo a palavra final para os crentes, e os concílios para a Igreja inteira, o que aconteceu foi uma espiral de desvios que até hoje vão se acumulando uns sobre os outros. Podemos citar “a oração pelos mortos (no ano 310 D.C.), a instituição da missa substituindo o culto (394), o culto a Maria (431), a invenção do purgatório (503), a veneração de imagens (783), a canonização dos santos (933), o celibato clerical (1074), o perdão através da venda de indulgências (1190), a hóstia substituindo a Ceia (1200), a adoração da hóstia (1208), a transubstanciação (1215), a confissão auricular (1216), os livros apócrifos como parte do cânon (1546), o dogma da Imaculada Conceição de Maria (1854) e o dogma da Assunção de Maria (1950), infalibilidade papal, dentre outros.[5]
E hoje, de forma alarmante, outro turbilhão de desvios e novidades estranhas tem assolado a igreja, desta vez no ramo evangélico, se desenvolvendo, talvez não por coincidência, após o Movimento Pentecostal (1901) ter negado conscientemente o princípio protestante de somente a Escritura, para afirmar que Deus estava através deles restaurando os dons miraculosos de visões e revelações dos tempos apostólicos.
De lá para cá que ênfases novas temos visto (para os evangélicos)? Falar “em línguas” (ano de 1901), batismo do Espírito Santo como degrau para uma vida cristã superior (1901), revelações e previsões (1901), ministérios de cura e exorcismo (1950), unção com óleo (1950), teologia da prosperidade (1970), manipular serpentes, sopro do Espírito, cair no Espírito, dançar no Espírito, dentes de ouro, copo com água abençoada, rosa ungida, distribuição de objetos ‘abençoadores’ (década de 80), batalha espiritual (moldada por uma obra de ficção, o livro “Este mundo tenebroso”, de 1986), cura interior, confissão positiva, maldição hereditária, entrevista de demônios, cura de carros, aparições de Cristo, encenação espiritual, viagem celestial, unção do riso, vômito santo (década de 90), adoração profética, ato profético, dança profética, consulta a espíritos sobre o nome das potestades territoriais, mapeamento espiritual, exorcismo da cidade, declarações proféticas de bairros e cidades como “sendo de Jesus”, emagrecimento milagroso, levitação, unção do leão, unção da lagartixa (século XXI), e por aí vai. Não há limite, porque o limite da Escritura foi ignorado (contrariando 1Co 4:6). Se uma igreja não crê só na Escritura como fonte de doutrina, tudo se torna válido.
Individualmente, também, muitos crentes de hoje além de crerem na Bíblia, estão fabricando suas próprias “bíblias mentais” como fonte de doutrina, em acréscimo à Escritura. Mas a nossa consciência não é Palavra de Deus. Nossa imaginação não é Palavra de Deus. Nossa intuição não é Palavra de Deus. Nossas idéias não são Palavra de Deus. Nossos desejos não são Palavra de Deus. Nossos palpites não são Palavra de Deus. Nossos projetos não são Palavra de Deus. Os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o Senhor, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos que os vossos pensamentos (Is 55:8,9).
Por isto podemos desconfiar que haja muito de precipitação e ingenuidade quando alguns crentes de hoje dizem: “Deus diz, Deus quer, Deus pensa, Deus está falando”, se eles estiverem com isso projetando seus desejos e imaginações. Erradamente têm se entendido que ter a mente de Cristo (1Co 2:16) seria automaticamente pensar sempre como Cristo pensa, como se tivéssemos entrado nos pensamentos de Deus, só porque fomos salvos da condenação. Este texto (1Co 2:16) apenas compara a sabedoria do Evangelho com a sabedoria do mundo.
O fato do Espírito Santo estar em nós não nos tornou automaticamente infalíveis. Se assim fosse, teríamos que considerar a Bíblia desnecessária. E justamente a necessidade, grandeza e especialidade da Bíblia é ser a Palavra de Deus totalmente confiável para nós. Não podemos confiar em nosso próprio coração, ele é demasiadamente enganoso e desesperadamente corrupto (Jr 17:9).
Portanto a Escritura Sagrada torna-se indispensável “para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo[6]”.
Assim entendemos que ao seguirmos o princípio reformado de que SOMENTE A ESCRITURA É AUTORIDADE INFALÍVEL:
1 - Afirmamos que o sentido da Bíblia, nas suas coisas essenciais, é acessível a todo crente. Atualmente a Bíblia, tal como nos tempos medievais, foi tirada do povo. E isto aconteceu não só pela volta do misticismo, mas também pelo racionalismo: através da complicação da mensagem e do sentido da Bíblia. Os seminários e faculdades teológicas, com estudos detalhistas, tornaram o sentido da Bíblia virtualmente inacessível, uma vez que fizeram crer que só através de um estudo detalhado de grego, hebraico, antropologia, sociologia, história, arqueologia, filosofia, etc, se pode chegar ao seu sentido.
A solução para reverter esse quadro não é simplesmente afirmar de forma geral que o Espírito Santo guia o crente, mas também reconhecer que a mensagem da Bíblia é simples (Rm 10:8,9) e a chave da sua interpretação é Cristo (Lc 24:25-27). Se lembrarmos simplesmente de Cristo e dEle crucificado (1Co 2:2), já saberemos o suficiente para entender a mensagem da Bíblia.
Porque este mandamento, que hoje te ordeno, te não é encoberto e tampouco está longe de ti... porque esta palavra está mui perto de ti, na tua boca e no teu coração, para a fazeres (Dt 30:11,14). As coisas encobertas são para o Senhor, nosso Deus; porém as reveladas são para nós e para nossos filhos, para sempre, para cumprirmos todas as palavras desta lei (Dt 29:29).
Cremos assim que tudo que Deus julgou relevante sabermos está suficientemente claro na Bíblia para os que a lerem ou ouvirem. Mais ainda: quanto mais necessária, mais clara será a informação na Bíblia, e as informações menos claras são as menos necessárias. Não acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela (Dt 4:2).

2 - Confiamos realmente em tudo que a Bíblia diz de si mesma. A Bíblia se diz viva e eficaz (Hb 4:12). Estar insatisfeito com a Bíblia é negar que ela seja viva e eficaz.
Ela se diz apta para discernir (Hb 4:12). Buscar discernimento sem ela é como dizer que ela seria incapaz de fazer isso em nós.
Reinvidica ter sido produzida pelo Espírito Santo (2Pe 1:19-21). Crer que o Espírito Santo vá trabalhar em nós sem ela, é tornar todo este trabalho de Deus sem sentido. O mesmo Espírito Santo que falou pelos profetas, nos chama nessa passagem para atentarmos para a Sua Escritura até que o dia esclareça, e a estrela da alva apareça em nossos corações. Se tivermos comunhão com Ele obedeceremos a este chamado.
A Escritura se considera divinamente inspirada (2Tm 4:16). Pedir a Deus que nos fale fora da Palavra é fechar a carta que Ele nos escreveu, sem entendê-la toda. Se escrevêssemos detalhadamente instruções a alguém, não gostaríamos que este nos telefonasse a todo momento para nos perguntar tudo que já respondemos na instrução.
A Escritura se considera proveitosa para que sejamos perfeitos e perfeitamente instruídos (2Tm 4:16). Sendo assim, seria ela incompleta? Ineficiente? Incapaz? Precisaríamos de outra fonte para aprender? Precisaríamos de outra fonte para praticar? Precisaríamos de outra fonte para decidir?
A Palavra se diz a espada do Espírito (Ef 6:17). Quem somos nós para sugerir ou dar ao Espírito Santo outro instrumento para o Seu trabalho?
3 - Afirmamos que a Palavra de Deus é suficiente para nos mostrar a vontade de Deus. Paulo, se dirigindo aos judeus, disse: “sabes a Sua vontade, (...) sendo instruído por lei” (Rm 2:18). Ele estava se referindo às Escrituras. A Bíblia dos judeus, segundo Paulo, era suficiente para saber a vontade de Deus.
Negamos assim que uma experiência mística, sentimental ou imaginativa fora da Palavra seja uma fonte confiável para descobrir a vontade de Deus para a nossa vida. O que confia no próprio coração é um insensato (Pv 28:26).
Na verdade, o que dará real segurança ao crente de estar dentro da vontade de Deus é conhecer a Palavra, pois isto é que ensinará a nossa consciência a aplicar a vontade de Deus às nossas vidas, a cada momento. Escondi a Tua Palavra no meu coração, para eu não pecar contra Ti (Sl 119:11).
“Fiz uma aliança com Deus: que não me mande visões, nem sonhos, nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom das Escrituras Sagradas, que me dão instrução abundante e tudo o que preciso conhecer tanto para esta vida como para a que há de vir”[7].
Magnificaste acima de tudo o Teu nome e a Tua palavra (Sl 138:1,2).

4 - Afirmamos que a Bíblia tendo origem divina e não humana, costuma contradizer nossas obras e pensamentos, que são humanos e não divinos. É digno de atenção o fato de que os resultados costumam ser diferentes ao buscarmos a vontade de Deus fora da Bíblia ou através dela.
Quando buscamos a Deus fora da Bíblia, geralmente encontramos um Deus muito parecido conosco, que pensa como nós, que nos elogia, que serve à nossa vontade, confirma o que fazemos, autoriza o que queremos, que apenas repete o que já sabemos, justifica todos os costumes e tradições, diviniza nossa cultura, assina embaixo de nossos pressupostos, dá continuidade a nossos preconceitos e aprova erros doutrinários, o Deus fora da Bíblia se conforma a nós e fala ao nosso favor.
Porém quando buscamos a vontade de Deus pela Bíblia, geralmente encontramos um Deus muito diferente de nós, que não pensa igual a nós, um Deus que confronta nossos inúmeros pecados e falhas, que contradiz a nossa vontade, que contesta nossos planos, que denuncia nossas segundas intenções, que nos ordena dar meia volta em nosso caminho, que nega os projetos construídos sobre falso fundamento, que tira nossas máscaras, que nos ordena contestação, renovação, revolução e reinvenção de nossos projetos e nossa própria pessoa. O Deus da Bíblia é transformador, vai de encontro a nós e fala contra nós para o nosso bem.
O Deus revelado pela mente costuma dar álibis, pretextos e confirmações, o Deus revelado pela Bíblia costuma confrontar, desafiar e quebrantar. Qual seria o Deus verdadeiro?

Santifica-os na verdade, a Tua Palavra é a verdade (Jo 17:17).
Se você tivesse que atravessar um matagal de noite, no escuro, uma travessia prevista de duas horas, e fosse um amigo contigo, e este dissesse: “tá aqui as pilhas para a lanterna, só que eu não sei o quanto estas vão durar, são usadas”.
Você não se preocuparia com razão? Certamente você diria algo como “vamos ver se a gente arranja alguma pilha nova, que nos garanta as duas horas de travessia, pois não temos segurança nessas pilhas”...
Imagine também que você pede a um amigo: “preciso que você faça para mim um orçamento deste produto, até a semana que vem, para que eu possa separar o dinheiro”. E ele chegasse na outra semana e te respondesse: “olha, no dia seguinte ao que você me pediu esse orçamento, eu sonhei que o preço é R$ 10,00; e também eu ouvi falar que o preço pode variar entre R$ 10,00 e R$ 1.000,00, mas o que eu sinto no meu coração é que o preço é R$ 10,00 mesmo”...
Em um mesmo dia saltamos da euforia para a depressão. Em um mesmo dia, rimos e choramos. Em um mesmo dia, sentimos paz e desespero.
É possível construir alguma casa sobre areia movediça? É prudente investir dinheiro em bilhetes de loteria?
Confiar nas nossas experiências, impressões, especulações e sensações, crendo que sejam orientações de Deus é confiar no que há de mais inconstante, incoerente, incerto e inseguro. Porque estamos falando de coisas que variam o tempo todo.
Buscar Deus nesse mar revolto que é o nosso coração é considerar que Deus seja inconstante como nós. Como se Ele fosse um daqueles deuses caprichosos da mitologia grega, que brincavam com os seres humanos de acordo com o seu humor do dia.
De que valeu o “trabalho” do seu amigo? Serviu para quem precisa separar o dinheiro exato para a compra? Comparando-se o “esforço” do seu amigo com as experiências místicas que nos acontecem aleatoriamente, dando certeza de pouca coisa ou nenhuma; o ato de consultar a Palavra de Deus com oração e fé seria como se o amigo tivesse consultado a tabela oficial de preços da loja, com o preço exato, incluindo os centavos, prazo de entrega e as formas de pagamento.
Da mesma maneira, quando o misticismo é colocado como outra bússola de Deus pra nós, além da Bíblia, estamos dispensando as pilhas novas e confiáveis, por pilhas usadas, que não sabemos quando irão falhar.
O Espírito Santo é o Autor da Bíblia. A opinião da Bíblia é a opinião do Espírito Santo. Se quisermos saber a vontade do Espírito Santo, cabe-nos atentar para a carta que Ele escreveu para nós.
Porque queremos outras orientações se ainda não entendemos e muito menos praticamos a primeira orientação?
Eis o que o Espírito Santo disse sobre o coração humano:
O que confia no seu próprio coração é insensato (Pv 28:26).
Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e perverso; quem o conhecerá? (Jr 17:9). Nunca é demais repetir, o nosso coração é a coisa mais perversa e enganosa do mundo!
Do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem. (Mc 7:21-23). E no entanto o que mais se ouve é o conselho de consultarmos nosso coração...
Não esqueçamos que apesar de salvos ainda somos pecadores; apesar de convertidos ainda não temos um coração perfeitamente santo, ainda somos enganados pelo pecado dentro de nós (leia Tg 1:14), e isso atrapalha tudo.
Em contraste, eis a opinião do Espírito Santo falando na Bíblia sobre ela mesma: o caminho de Deus é perfeito; a palavra do Senhor é provada; é um escudo para todos os que nele confiam (Sl 18:30).

Ou seja, nós:

5 – Relativizamos o valor das experiências incertas, uma vez que temos a certeza da Palavra.A Palavra de Deus é imutável. A Palavra de Deus é perfeita. Ela é digna de representar a vontade de Deus para nós.
Nossas sensações e impressões são inconstantes e imperfeitas. Por isso são indignas de representar a vontade de Deus para nós.

6 – Afirmamos que crer somente na Escritura não é mero tradicionalismo.Até porque a Reforma é que ao seu tempo foi acusada de desvalorizar a tradição católica, ao proclamar que só a Palavra é autoridade infalível.
Hoje a situação se inverteu, com o pentecostalismo acusando as igrejas herdeiras da Reforma de seguirem demasiadamente suas tradições e desvalorizar “novas experiências com Deus”.
Não, o que a Reforma quer é seguir a Bíblia acima das tradições, o pentecostalismo é que olhou para trás, depois de pegar no arado, e adotou uma tradição católica, aquela de não considerar a Bíblia como única fonte divina de doutrina e prática.
Ou seja, quem está sendo tradicionalista são os pentecostais, ao defenderem essa tradição católica de não considerar a Bíblia suficiente.
Certamente que a Bíblia é uma tradição, mas é a pura, perfeita, eterna e infalível tradição do Espírito Santo, nossa única vacina contra as corrupções humanas da mensagem do Evangelho.

7– Afirmamos que a Revelação de Deus é igual para todo o povo de Deus. Cristo é a Revelação de Deus (Hb 1:2), a Bíblia é o registro dessa Revelação, o Espírito Santo é o Escritor deste registro. O crente recebe o Espírito Santo para lhe aplicar a Revelação de Deus em Cristo, pela Palavra registrada, para o fazer cumpri-la em sua vida.
Será que certos crentes e igrejas pensam ter recebido uma parte maior de Cristo? Uma parte maior da Revelação? Uma parte maior do Espírito Santo? Então Deus faz acepção de pessoas, na verdade?
Numa igreja guiada por experiências, tudo funciona muito bem, até o dia em que o “‘meu’ Espírito Santo” discorda do “‘seu’ Espírito Santo”. O que a gente faz nessa hora?
Pois o fato dos crentes discordarem entre si é a prova da humanidade das suas opiniões.
Afinal, se o Espírito Santo tem apenas uma opinião, como podemos nós discordar, tendo todos o mesmo Espírito Santo? Há somente um corpo e um Espírito... há um só Senhor, uma só fé (Ef 4:4,5).
Poderíamos nos compararmos uns com os outros pra ver quem tem mais intimidade com Deus, mas uma solução melhor bem pode ser a de concordarmos que a opinião do Espírito Santo já está registrada para sempre na Bíblia.
Nós mudamos o tempo todo. A Palavra nunca muda.
Crer no Sola scriptura nos ajudará a destruir o castelo de areia de alguém que acaso queira se considerar mais espiritual que os outros. O Espírito Santo é o mesmo para todos, e a Palavra igual para todos é que prova isso[8].

8 – Afirmamos que toda mensagem que não seja bíblica é apenas uma opinião. Por isso não nos impõe uma obediência absoluta, porque não tem a autoridade de Deus.
A autoridade de Deus é a única que requer nossa obediência absoluta: importa mais obedecer a Deus do que aos homens (At 5:29). A autoridade de Deus está ligada à mensagem registrada na Palavra. O resto é opinião humana. Nunca terá garantia absoluta.
Deus só garante e ordena o que a Palavra diz. Nada fora da Palavra tem a garantia de Deus e nada fora da Palavra tem a autoridade de Deus.
Qualquer crente ou grupo de crentes é falível em tudo que disser fora da Bíblia. Assim todo resumo doutrinário, toda igreja, toda tradição, todo costume, toda convicção, crença, conselho, experiência, tudo que for além da Bíblia pode ter falhas e ser incorreto.
A proclamação desta imperfeição das opiniões humanas é especialmente importante neste tempo em que a igreja evangélica regrediu, e negou a Reforma, quando passou a considerar seus líderes como mediadores da vontade de Deus. Esta é uma grosseira negação do princípio reformado do SOLA SCRIPTURA.
Um autor anabatista explica: “(...) no Brasil a palavra do pastor tende a ser vista como a palavra de Deus. Da perspectiva anabatista diremos que a palavra do pastor é apenas uma palavra, palavra a ser testada e analisada, a ser discernida por irmãos e irmãs atentos. A palavra que vem do púlpito nunca pode ser aceita cegamente. Ela pode tornar-se palavra de Deus na proporção em que a comunidade ouve e o Espírito Santo confirma esta palavra.
A igreja evangélica brasileira tende a valorizar e absolutizar de um modo irresponsável a palavra que vem do púlpito e os membros tendem a engolir sem contestar o que foi dito pelo “homem de Deus”.
Politicamente o brasileiro vai na conversa daquele que fala mais bonito e de modo mais empolgante e assim também nas igrejas tendemos a nos extasiar com oradores que nos empolguem, que despertem nossas emoções e esquecemos de conferir se a palavra falada tem base na Bíblia[9]”.
Aqui um católico diria: “Deus inspira nossa igreja para que tenha uma interpretação infalível”.
Mas quem adota o princípio protestante de que somente a Escritura é autoridade infalível, não pode escapar por este argumento. Só lhe resta ter uma interpretação humilde e aberta à revisão, pois a última palavra não será de nenhum crente, igreja, concílio ou credo, mas da Escritura.
“Um simples cristão com a Bíblia na mão pode dizer que a maioria está errada”[10].


9 - Negamos que alguém possa falar em nome de Deus algo que não seja essencialmente bíblico.Assim como Cristo é a imagem do Pai, a Bíblia é a imagem do Espírito Santo, que manifestou perfeitamente nela os Seus santos pensamentos, ao inspirá-la (2Tm 4:16). E mais, aprouve ao Senhor Espírito Santo ser reconhecido por Sua imagem impressa na Escritura, que é assim não apenas mensagem, mas também confirmação da obra dEle em nós.
O Filho é o mediador do Pai, o Espírito Santo é o mediador do Filho, a Palavra é a revelação do Espírito Santo.
A vontade do Espírito Santo já foi manifestada para nós na Palavra. O fato dela não mudar não deve nos causar temor já que o Espírito Santo, Deus, é eternamente estável. A Palavra vai durar para sempre. O Espírito Santo não vai mudar de opinião. A opinião do Espírito Santo já está disponível para nós.
Em 2Co 3:8, “o Apóstolo chama sua pregação de ministério do Espírito, significando, sem dúvida, que o Espírito Santo de tal modo se [junta] à Sua verdade que expressou nas Escrituras, que manifesta e patenteia Seu poder, então, afinal, onde se rende à Palavra a devida reverência e dignidade. (...) O Senhor ligou entre si, como que por mútuo nexo, a certeza da Sua Palavra e [a certeza de Seu] Espírito”[11].
Isto de tal forma que amamos a Palavra quando o Espírito Santo atua em nós, e abraçamos o Espírito Santo “quando O reconhecemos na Sua imagem, isto é, na Palavra”[12].
Essa convicção dos reformadores não era um ataque gratuito (ou invejoso) ao misticismo, mas uma certeza sentida na pele, por observarem que quase todos os erros do catolicismo se originaram das “revelações” fora da Bíblia. E isso acontecia também entre os próprios reformadores.

Por exemplo, no tempo de Lutero, certo grupo de camponeses anabatistas começou uma onda de depredações e violência alegando terem sido orientados pelo Espírito Santo. E uma vez que Deus fale fora da Bíblia, quem poderia lhes dizer que estavam errados, se eles “sentiram” que isso foi ordem de Deus? Se Deus ordenou a violência, tinham mais que obedecer mesmo: Deus é soberano, não é?
Mas como saber se Deus ordenou ou não? Pela Bíblia? Ora, se a Bíblia é o juiz final de tudo, porque não ficar logo apenas com ela? Se o que vale é o que está escrito, porque se guiar por qualquer outra coisa? Se temos acesso à Bíblia perfeita, porque se agarrar às coisas imperfeitas? Se temos a infalível para que antentar para a falível? Se temos a certeza da Palavra, para quê dar ouvidos à dúvida das experiências?
Ou ainda, que bem faz a dúvida? Como o evento duvidoso pode edificar? Como o incerto pode consolar? Como o obscuro pode ensinar? A força da carne pode fazer o trabalho do Espírito Santo?

“Que dirão a estas coisas estes (...) entusiastas que reputam (...) sublime iluminação quando, dando despreocupadamente de mão e dizendo adeus à Divina Palavra, não menos confiantes que temerários, agarram sôfregos qualquer coisa que hajam concebido enquanto a roncar?[13]
“Aos filhos de Deus, por certo, sobriedade bem outra [lhes] convém, os quais, ao mesmo tempo que, sem o Espírito de Deus, se vêem privados de toda luz da verdade, todavia, não ignoram que é a Palavra o instrumento pelo qual o Senhor dispensa aos fiéis a iluminação do Seu Espírito. Pois não conhecem outro Espírito que [Aquele] que habitou e falou nos Apóstolos, de cujos oráculos são continuamente convocados a ouvir a Palavra”[14].

O Espírito Santo falando na Palavra aponta sempre para a Palavra como o meio designado para conhecermos Sua vontade. O Espírito Santo não nos chama para fora da Palavra, afim de contar segredos ao nosso ouvido. Ou acaso existe uma tal passagem bíblica em que o Espírito Santo nos ensine a buscar a Deus fora da Palavra?

Reafirmamos que todo aquele que for edificado pela Palavra só o pode ser por causa da obra miraculosa do Espírito Santo em seu coração.

Por outro lado, realmente existe um certo tipo de conhecimento bíblico inútil, se este é meramente acumulado sem a operação do Espírito Santo e a obediência a Ele. Causa escândalo a todos ver muitos que conhecem, mas não praticam. Mas esses não-praticantes não invalidam a relação que existe entre Bíblia e Espírito Santo.
Jesus disse claramente que o entender das coisas de Deus está reservado somente àqueles que estão dispostos a obedecer (Jo 7:17). Quem conhece, mas não pratica, sofrerá o mais rigoroso juízo (Mt 23:3,14). Na verdade arrisca-se a colher em vida o estudo inútil da Bíblia como recompensa de sua desobediência, tal como aqueles que aprendem sempre, e nunca podem chegar ao conhecimento da verdade (2Tm 3:7).
O fato do conhecimento bíblico não produzir fruto neles é causado por eles resistirem ao Espírito Santo quando são chamados por Ele nas oportunidades de praticar a Palavra. Essa desobediência entristece o Espírito Santo e contraria a Sua influência. E sem Ele, a Bíblia torna-se um livro fechado.

Resumindo:

a) Se buscarmos o Espírito Santo sem a Palavra nos expomos ao engano do nosso próprio coração pecador.

b) Se buscarmos a Palavra sem o Espírito Santo obtemos só informação, não transformação.

NÃO devemos fazer uma coisa nem outra. E NEM precisamos escolher entre atentar para a Palavra ou atentar para o Espírito Santo.

Devemos na verdade buscar o Espírito Santo na Palavra, porque é este o local designado por Ele para O encontrarmos. Temos que estar sempre suplicando que o Espírito Santo venha com poder sobre a Sua Palavra, afim de sermos transformados por Ele, por meio dela.

Servimos a Deus pelo Espírito e pela Verdade, não só por um ou só por outro, mas pelos dois juntos (Jo 4:23,24).

A Palavra já é o que o Espírito Santo sempre quis nos dizer. Sua obra não é nos dar novas Palavras, mas nos fazer entender e praticar a Palavra dada por Ele mesmo. Se o Espírito Santo nos falar qualquer coisa será exclusivamente com o objetivo de entendermos e praticarmos a Palavra (cujo sentido é Cristo).
“Não é função do Espírito [que] nos [foi] prometido, configurar novas e inauditas revelações ou forjar um novo gênero de doutrina, mediante quê sejamos detraídos do ensino do Evangelho [já] recebido; ao contrário, [Sua função é] selar-nos na mente aquela própria doutrina que é recomendada através do Evangelho”[15].

O Espírito Santo não tem porque complementar a fé (doutrina) dada uma vez por todas (Jd 3), se nem bem começamos a entendê-la e muito menos praticá-la.
E se acaso Deus falasse diretamente com alguém hoje, deveríamos anotar essas palavras e divulgá-las como novos textos bíblicos.
Por que a Palavra de Deus no passado era tão importante a ponto de ser divulgada a todos os povos, e hoje as novas palavras de Deus podem cair no esquecimento? Pois desde o ano 96 dC nenhum livro foi acrescentado na Escritura!!! A nossa Bíblia ainda acaba em Apocalipse!!!
Mudou a autoridade de Deus? Mudou a importância da opinião de Deus? Mudou a perfeição da Palavra de Deus? Mudou a eternidade da Palavra de Deus? Mudou a universalidade da Palavra de Deus?
Ou mudaram os crentes, que passaram a ser mais pretensiosos para sem temor tomar o nome de Deus em vão? E passaram a crer numa religião de “achismos”? Que expõe o nome de Deus a ser ridicularizado pelos milhares de palpites errados ditos em nome de Deus?

A orientação bíblica é a orientação clara e certa do Espírito Santo. Por isso que o Espírito Santo nos diz na Bíblia que se alguém falar para a igreja, fale segundo a Palavra de Deus (1Pe 4:11), que é a espada do Espírito Santo (Ef 6:17), não indo além do que está escrito (1Co 4:6), nada acrescentando (Pv 30:6) nem diminuindo (Dt 12:32).
Profetas como Jeremias e Ezequiel dirigiram advertências duríssimas para todos os que de forma pretensiosa reivindicavam ter uma palavra de Deus: Eis que eu sou contra os profetas, diz o Senhor, que usam de sua língua, e dizem: Ele disse (Jr 23:31). Não tivestes visões falsas e não falastes adivinhação mentirosa quando dissestes: o Senhor diz, sendo que eu tal não falei (Ez 13:7)?
Por isso, ao sentirmos alguma direção fora da Bíblia, mais prudente do que falarmos "Deus disse", é sermos simples como o rei Ezequias, que disse "isto me veio ao coração (2Cr 29:10)", um cuidado coerente para quem leva o terceiro mandamento a sério (Ex 20:7): não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão. Certamente se estivermos proclamando nossas idéias, sentimentos, especulações e imaginações humanas como revelações divinas estaremos desobedecendo este mandamento.

10 - Afirmamos que as revelações fora da Bíblia não têm correspondido aos atributos das palavras vindas de Deus.O crente que diz falar em nome de Deus está reivindicando para as suas palavras a autoridade do próprio Deus, o que significa que suas palavras deveriam ser obedecidas fielmente (Dt 27:8-10) e deveriam ser infalíveis (Is 34:16) e eternas (Is 40:8).
As supostas revelações fora da Bíblia cumprem estes requisitos? Têm a autoridade infinita de Deus? São certas? Claras? Universais? Divinas? Perfeitas? Nunca falham? Duram para sempre? Se não, não podem ser consideradas Palavra de Deus. Seca-se a erva e caem as suas flores, mas a Palavra do nosso Deus dura eternamente (Is 40:8). Deus poderia falar de forma menos grandiosa? Resposta no Sl 29.
Surpreendentemente, seguindo este raciocínio, até mesmo um pregador pentecostal como Marcos Feliciano foi capaz de admitir que “Deus fala muito pouco, porque tudo que Ele fala tem que se cumprir”[16].
Só a Bíblia cumpre todas as condições para ser considerada Palavra de Deus, pois é uma revelação pública, universal, eterna, infalível e com autoridade divina. As revelações dos católicos, mórmons, adventistas, testemunhas de Jeová, pentecostais e neo-pentecostais não têm cumprido estes requisitos, principalmente no que se refere a serem infalíveis.
Por isso que proclamamos “só a Escritura”.

11 - Afirmamos também que as revelações extra-bíblicas, além de não terem características de Palavra de Deus, ainda costumam contradizer a Palavra bíblica em vários outros aspectos.a) As revelações extra-bíblicas costumam criar orgulho naqueles que as ditam. Em contraste, na Bíblia, aqueles que tinham experiências sobrenaturais com Deus tornavam-se muito mais humildes (Jó 40:1-5;42:1-6; Is 6:5; Gn 18:27). Pouco se tem refletido sobre o pernicioso efeito moral na igreja de se exaltar experiências extra-bíblicas: além do orgulho[17], as invejas, competições, vaidades, idolatria dos “iluminados”, exageros e falsificações em busca do reconhecimento social de um grupo que só quer “ver pra crer”. Mas Jesus diz: Bem aventurados os que não viram e creram!
b) As revelações extra-bíblicas costumam falar o que as pessoas querem ouvir. Em contraste os profetas de Deus falavam a verdade sejam quais fossem as conseqüências (1Rs 22:10-28; Am 7:8-17).
c) As revelações extra-bíblicas costumam elogiar os servos de Deus. Em contraste a Bíblia ensina que Deus elogiará os Seus servos no dia do Juízo Final (Mt 25:19-21).
d) As revelações extra-bíblicas costumam exortar as pessoas a fazer apenas obras religiosas: mais jejuns, mais vigílias, mais campanhas. Em contraste, os profetas de Deus condenavam a religiosidade superficial e pregavam a prática de verdadeira justiça e igualdade na sociedade. Misericórdia quero e não sacrifício (Os 6:6; cf. Is 58:1-14;1:11-19; Am 5:21-24; Zc 7).
e) As revelações extra-bíblicas costumam adivinhar a vida dos outros e o futuro. Em contraste, a prática da adivinhação é considerada abominável e proibida por Deus em Dt 18:9-14. A ti, o Senhor teu Deus não permitiu tal coisa (...) Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã (Dt 18:14; Tg 4:14). (O peso da prova está com os pentecostais. Eles precisam demonstrar que suas “revelações” não têm nada a ver com as práticas condenadas em Dt 18).
f) As revelações extra-bíblicas costumam trazer Lei, mas as profecias da Bíblia trazem o Evangelho (Ap 19:10)[18].
g) E o que é mais estranho, as revelações extra-bíblicas costumam falar muito do Diabo e do que ele faz. Em contraste, a Bíblia ensina que o Espírito Santo veio para falar de Cristo (Jo 15:26), para testemunhar das obras de Jesus, não das obras dos demônios!

12 - Afirmamos que as revelações extra-bíblicas costumam diminuir o interesse na Escritura, à medida que proliferam e dão a impressão de serem “as palavras de Deus para hoje”. E pior, diminuem também o valor prático da Bíblia: “o primeiro dano que as Escrituras sofrem com a presença de uma palavra revelada é a perda de sua suficiência[19]”. De forma bem diferente dessas novas revelações[20], o ‘antigo’ texto bíblico o tempo inteiro exalta e estimula o interesse na Escritura mesma como suficiente para suprir as necessidades do crente (Sl 1:2; Sl 119:50; Jo 17:17; Ap 1:3).

13 - Afirmamos que as revelações extra-bíblicas são sempre incertas.Sempre. No momento em que são ouvidas, sentidas ou vistas, a pessoa nunca pode saber se é realmente uma palavra de Deus.
E o pior é a incerteza se tal “palavra” vai se cumprir ou não. Um tipo de incerteza que já quebrou vários corações que confiaram numa mensagem fora da Bíblia e desiludiram-se ao verem que ela não se cumpria. Viram vaidade e adivinhação mentirosa os que dizem: O Senhor disse; quando o Senhor não os enviou; e fazem que se espere o cumprimento da palavra (Ez 13:6).
Por causa disso, muitos só proclamam a idéia ou impressão como “de Deus” depois que veio a se cumprir. Nem se considera as milhares e milhares de impressões e idéias que correm o dia inteiro pela nossa cabeça, mas que nunca acontecem. Assim é fácil, se a gente só revelar as idéias que já deram certo, nunca seremos expostos ao teste da infalibilidade (Dt 18:22).
Talvez muito disso ocorra também quando temos uma idéia sobre um assunto que mencionamos em oração. Claro, se a nossa idéia é uma possível resposta à nossa oração, é normal que consideremos essa idéia como uma resposta de Deus.
Mas esse método é confiável? Não podemos facilmente nos enganar e pensar justamente no que queremos que aconteça? Por que nossa imaginação deveria ser considerada “voz de Deus”? Só porque aconteceu após, ou durante uma oração? Quem garante que é “a voz de Deus”? Durante a oração nos tornamos infalíveis? Durante a oração nos fundimos com a mente de Deus? Não é verdade que também durante a oração nos distraímos e pecamos em nossos pensamentos? Pode-se confiar totalmente nos pensamentos que nos ocorrem durante ou após a oração? Podemos confiar em nossa mente? Somos confiáveis?
Mas ainda que a “revelação” venha a se realizar, como o crente pode provar que sua “revelação” não foi apenas uma idéia correta? Qualquer coincidência ou palpite certeiro pode ser candidato a “revelação vinda de Deus”? Que diferença existiria então entre o crente e o não-crente? Estes também não podem ter palpites corretos? Por isso vamos dizer que receberam revelações de Deus? Que valor sobra para a Palavra? Para que a Bíblia é necessária ainda? Somos exortados pela Escritura a confiar em coincidências? Qual texto bíblico diz isso?
“Sem a centralidade da Palavra tornamo-nos náufragos e sem rumo. Temos impressões, mas não direção!” [21].
De forma bem diferente, a Palavra bíblica reinvidica para si um caráter totalmente confiável, o tempo inteiro. Nenhuma dúvida é lançada, nela tudo se cumpre perfeitamente, dela tudo se ensina infalivelmente. Para sempre, ó Senhor a Tua palavra permanece no céu; Tua Palavra é a verdade; temos mui firme, a palavra dos profetas, à qual bem [fazemos] em estar atentos (Sl 119:89; Jo 17:17; 2Pe 1:19).

14 – Afirmamos que a igreja não prende o Espírito Santo na Palavra, mas na verdade está honrando-O, quando deseja ser orientada somente pela Bíblia.Isto porque foi o Espírito Santo quem quis se manifestar desta forma ao mundo, através de uma divina carta, onde Ele já revelou tudo que julgou precisarmos saber. O revelado é nosso, o escondido é dEle (Dt 29:29), não devemos investigar o que Ele não quis revelar.
Se queremos que o Espírito Santo atue em nosso meio, o nosso principal dever é pedir que Ele use a Sua espada, a Palavra (Ef 6:17). Mas como pedir isso com coerência, se ao mesmo tempo desprezamos a Palavra, quando buscamos a voz do Espírito Santo por outros canais?

15 – Reforçamos a igualdade cristã na igreja.A igreja orientada pelo misticismo das experiências particulares inevitavelmente vai fazer comparações entre os crentes “mais espirituais” e os “menos espirituais”. Uma classificação certamente injusta e arbitrária, que pode dar ouvidos às sugestões e especulações mais impulsivas, inconseqüentes, precipitadas, imaturas, irrefletidas e emocionalistas que possam surgir entre os membros da igreja, desde que tenham aparência “espiritual” dada por, talvez, uma postura ou tom de voz estereotipado, ou ainda pela repetição de clichês evangélicos.
Quanto mais impactante, mais espiritual? Quem definiu esse critério? A Palavra de Deus, ou o nosso desejo secreto de ser entretido, emocionado e exaltado por Deus?
Enquanto isso os crentes que pratiquem a prudência e reflitam na Palavra para encontrar nela a sabedoria para decidir serão desprezados por não terem uma palavra fresquinha vinda de uma “entrevista exclusiva com Deus”.

Além disso, quando a confiança plena na Bíblia é abalada ou desvalorizada para enfatizar outras autoridades, uma das que mais será incrementada é a autoridade dos líderes. Quando as experiências humanas são fonte de doutrina e prática para a igreja, quase sempre a igreja vai ter que fazer distinção entre o valor dos crentes.
É possível que experiência e opinião do líder então, seja considerada mais divina do que as experiências e opiniões dos liderados, afinal, é necessário um critério para decidir a verdade, caso haja discordância. Se não é a palavra de Deus, o critério costuma ser a opinião do “homem que Deus colocou sobre a igreja”.
Não é por acaso que dificilmente se vê uma igreja pentecostal que seja realmente democrática, embora a hierarquia não seja algo que ocorra só no pentecostalismo; mas este problema é mais reforçado ainda quando na prática se coloca a palavra final sobre uma experiência humana, não sobre a mensagem da Escritura. O misticismo costuma piorar o pecado da hierarquia.

Mas quando a Bíblia é considerada a única fonte confiável de autoridade, relativizam-se todas as outras fontes, inclusive a da autoridade da liderança da igreja.Todos os membros estão em igual nível, porque a Bíblia está sobre todos, como única representação infalível da vontade de Cristo, o único Governante da Igreja.
Paulo alerta que muitas das proclamações baseadas na experiência são invocadas para satisfazer um desejo de ser exaltado sobre os crentes: não deixem que ninguém os humilhe, afirmando que é melhor do que vocês porque diz ter visões e insiste numa falsa humildade e na adoração de anjos. Essas pessoas não têm nenhum motivo para estarem cheias de si, pois estão pensando como qualquer outra pessoa pensa, elas não estão ligadas a Cristo, que é a cabeça (Cl 2:18,19).
Em contraste com a teoria de que Deus colocou líderes visíveis para serem os principais “canais de benção de Deus para a igreja”, o que a Bíblia diz é que o Cabeça invisível da Igreja, Jesus Cristo, exerce o Seu governo quando TODOS os membros contribuem para a edificação da igreja: ... Cristo controla o corpo todo (Cl 2:19); segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor (Ef 4:16).
Mas isto veremos com mais detalhes no quarto princípio da Reforma: “somente por Cristo chegamos a Deus”.
[1] James McGoldrick. Os três princípios do Protestantismo. Texto eletrônico.
[2] Matthew Henry. Em Pérolas para a vida. John Blanchard. Ed. Vida Nova. p. 41.
[3] Trecho das Dez Conclusões de Berna, documento anabatista, editado em livro de John H. Leith, citado em Teologia dos Reformadores, Timothy George. Ed. Vida Nova. p. 313.
[4] Moisés Bezerril. Comunicatio extra scripturae. Texto eletrônico.
[5] João Alves dos Santos. As doutrinas da Reforma. Texto eletrônico. (http://www.scribd.com/doc/44466/As-Doutrinas-da-Reforma). (19/01/2008).
[6] Confissão de Fé de Westminster (1649).
[7] Martinho Lutero. Em Pérolas para a vida. John Blanchard. Ed. Vida Nova. p. 47.
[8] “Não temos entre nós uma pessoa que tem revelações especiais de Deus. A revelação de Deus está na sua Palavra, a Bíblia. Qualquer crente sincero, iluminado pelo Espírito Santo, pode compreender seus ensinos. Pode não penetrar nas sutilezas teológicas ou textuais originais, mas compreende a essência” - Isaltino Gomes Coelho. “Sou batista”. Texto eletrônico. Congresso de Identidade Denominacional. (27/04/2001).
[9] J. Udo Siemens. Perguntas da Igreja Brasileira e respostas do Movimento Anabatista. Texto eletrônico.
[10] Francis Schaeffer. Em Pérolas para a vida. John Blanchard. Ed. Vida Nova. p. 43.
[11] João Calvino. As institutas da religião cristã. Vol. I. Casa Editora Presbiteriana, 1985. (p. 110).
[12] Idem.
[13] João Calvino. As institutas da religião cristã. Vol. I. Casa Editora Presbiteriana, 1985. (p. 110).
[14] Idem (p. 110-111).
[15] João Calvino. As institutas da religião cristã. Vol. I. Casa Editora Presbiteriana, 1985. (P. 108).
[16] Frase proferida em pregação na TV (2006).
[17] “Cada vez que um desses entusiastas se gaba de sua mensagem recebida do Espírito, geralmente é com o intuito de sepultar a Revelação de Deus, para que eles estejam no centro do palco e recebam a atenção de todos” – João Calvino. Citado por Michael Horton em A Escada de Jacó. Sermão gravado. http://www.editorafiel.com.br/detalhes_videoteca.php?id_conf=26#
[18] Este pensamento vem de um texto de Caio Fábio, sendo ele próprio um adepto de práticas pentecostais.
[19] João Alves dos Santos. As doutrinas da Reforma. Texto eletrônico. (http://www.scribd.com/doc/44466/As-Doutrinas-da-Reforma). (19/01/2008).
[20] Já ouvi comentários do seguinte teor: “na sua igreja o pastor tem que estudar a Bíblia? Então vocês comem comida fria. Na nossa a comida é quentinha, Deus entrega na hora”.
[21] Renato Vargens. Texto eletrônico. <http://groups.yahoo.com/group/cristaos-reformados/> (2004).

Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...